domingo, 2 de maio de 2010

Morais e Iordanov

Com a devida vénia e salvaguardando a autoria do texto, transcrevo a seguir parte de uma crónica de José Diogo Quintela, escrita para o "Sporting Apoio" e que pode e deve ser lida na íntegra no local de origem:

"Em 1964, culminando uma trajectória estupenda que incluiu a maior goleada de sempre em competições da UEFA e uma fabulosa recuperação contra o Manchester United de Best, Law e Bobby Charlton, não bastava ao Sporting vencer a Taça das Taças. Ganhar, apenas, num jogo normal, não chegava. Nem sequer faria sentido. A vitória, por si só, era poucochinho. Seria um anticlímax. Para honrar os feitos notáveis dessa caminhada, o Sporting tinha de ganhar em grande estilo. E foi isso é que Morais fez. Não numa final, porque uma final não era suficiente para culminar esse trajecto, mas na final de uma final, a finalíssima, para distinguir ainda mais a conquista do troféu.

No fim de tudo, já nos píncaros, chamou-se a esse momento genial o “cantinho do Morais”. Assim, simplesmente. “Golaço Glorioso de Morais”? “Obra de Arte Geométrica de Morais”? “Cantão” ou “Cantaço”? Não. “Cantinho”. Só. A modéstia do diminutivo, porque para enorme bastou o gesto. Chamar “cantinho” àquele golo é como dizer que o Guernica do Picasso é apenas um “desenho”.

Naquele 15 de Maio, o pé direito de Morais fabricou uma dupla parábola. A primeira é a curva que a bola fez, da bandeirola à glória. A segunda é a alegoria que ajuda a explicar o sentido do Sporting: uma grandeza que não se ensoberba, não é fanfarrona. Uma grandeza que olha para si e diz “não é nada de especial, foi só um cantinho”.

***

Nos últimos anos o Sporting perdeu, infelizmente, o hábito de honrar e acarinhar os seus ex-jogadores. Chateia-me que o clube esqueça homens como o Beto ou o Miguel Garcia, para falar só de alguns dos mais recentes. Quer dizer, o clube esquece, mas não os adeptos. Nem os actuais atletas. Por exemplo, acho que os jogadores do Sporting têm a mania de marcar o ineficaz canto à maneira curta como homenagem ao Morais, pois devem pensar que aumentando a dificuldade se aproximam do gesto exímio da finalíssima de Antuérpia.

Isto para dizer que tenho pena que o jogo de homenagem a Iordanov tenha tido que acontecer assim, por ordem judicial. Felizmente, quer os adeptos, quer os jogadores convidados, não estarão em Alvalade porque o tribunal os obrigou, mas sim porque gostam de Iordanov e admiram quem deu tanto ao Sporting e é um dos principais obreiros do título que acabou com o longo jejum. Gostam do homem que colocou o cachecol no Marquês de Pombal.

Se um sportinguista só puder ir uma vez a Alvalade esta época, este é o jogo."

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